A revista Catolicismo (Brasil) estampou em suas páginas uma oportuna entrevista do Prof. Dr. Daniel Serrão, médico e docente aposentado da Faculdade de Medicina do Porto.
Desde sua aposentação, em 1998, dedica-se exclusivamente ao ensino de Pós-graduação de Bioética e Ética Médica na Universidade Católica, no Porto e em Lisboa, assim como a proferir conferências em Portugal e noutros países.
É membro da Academia das Ciências de Lisboa, da Academia Portuguesa de Medicina e da Academia Pontifícia para a Vida.
Preside à Comissão médica de verificação de curas extraordinárias, do Santuário de Fátima. Foi Presidente nacional da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.
O ilustre entrevistado é internacionalmente conhecido, tanto como cientista como por ser notoriamente católico.
Visitou recentemente a cidade de São Paulo e proferiu uma bela conferência na Faculdade de Direito da USP, em sessão comemorativa do segundo centenário da vinda para o Brasil da Família Real Portuguesa — sessão na qual foi conferencista principal o Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança, Chefe da Casa Imperial do Brasil.
Por ocasião dessa visita à capital paulista, o Prof. Dr. Daniel Serrão concedeu a presente entrevista ao repórter da revista Catolicismo, Sr. Miguel da Costa Carvalho Vidigal.
Catolicismo — No ano passado, Portugal tornou o aborto legal, por meio dum referendo popular.
No seu entender, faltaram mais pessoas do ambiente católico e de outros sectores da sociedade para defender a posição contra o aborto?
O Sr. poderia narrar como se deu essa consulta popular, e quais os frutos da aprovação da lei?
Doutor Daniel Serrão — Perdemos o referendo por uma escassa margem na contagem global dos votos; mas, em muitas mesas de voto e em muitas regiões, ganhámos, e até com maiorias importantes.
Tal como no referendo anterior, oito anos antes, nas zonas onde se constituiu um movimento organizado e coerente a favor do "não", ganhámos.
Só que, no referendo anterior, o cômputo global foi-nos favorável, igualmente por pequena margem, e muitos pensaram que a guerra estava ganha, quando só tínhamos vencido uma batalha.
Quem ganhou, de facto, tanto num como noutro referendo, foi a abstenção: mais da metade dos portugueses não votou.
Sendo Portugal um país de grande maioria católica, tenho de concluir que, num momento da maior gravidade, em que estava em causa a Vida humana, os católicos ficaram em casa, atraiçoando a sua Fé.
E tenho de concluir que a Igreja institucional, os seus pastores e os seus sacerdotes, não souberam chamar os católicos à responsabilidade de não se absterem.
Porque, seguramente, nenhum dos adeptos do "sim" ficou em casa no dia da votação.
A nova lei é a mais laxista da Europa.
A mulher grávida decide livremente fazer-se abortar num hospital público, sem encargos, até a 10.ª semana de gravidez; ou numa clínica privada de abortos (duas destas empresas espanholas de matar crianças ao abrigo da lei instalaram-se logo em Portugal) que tenha acordo com o Serviço Nacional de Saúde, o qual paga o aborto por uma tabela convencionada, que obviamente dá lucro à empresa abortista.
Catolicismo — Que conselho o Sr. daria, como médico, como católico e como pai de família, a uma jovem, que o procurasse, manifestando a dúvida se praticaria ou não um aborto?
Doutor Daniel Serrão— Daria o conselho que tenho dado muitas vezes:
Não assumas a responsabilidade de decidir em nome de uma vida que não é a tua; o que está dentro de ti é uma vida nova, que apela a viver, e tu tens de ouvir esse apelo, que é biológico, antes de ser humano.
Nenhum dos motivos pelos quais me dizes que queres abortar vai ficar resolvido com o aborto, e tu vais comprar uma guerra contigo própria, que te vai acompanhar ao longo de toda a tua vida.
Não uso argumentos de cariz religioso, porque, quem tenha verdadeira Fé, nunca colocará, a si própria, a possibilidade de se fazer abortar, sejam quais forem as situações da gravidez.
Nem mesmo em casos de violação brutal.
Catolicismo — Que papel uma santa e médica – como Santa Gianna Beretta Molla, que preferiu ter o filho, apesar da recomendação de ordem terapêutica para abortar – pode representar, como exemplo, para as mulheres nos dias de hoje?
Doutor Daniel Serrão — Representa o apelo às virtudes heróicas, que devem ser sempre apresentadas à juventude, porque ela é sensível à heroicidade e à dedicação absoluta a ideais, que são vividos até às últimas consequências.
Infelizmente, à medida que a idade avança, o pragmatismo leva ao enfraquecimento da paixão pelos valores superiores; e os exemplos, como os de Santa Gianna, são menos eficazes.
Catolicismo — Em sua experiência médica, que traumas e consequências o aborto pode causar nas mulheres que o praticam?
Doutor Daniel Serrão — O mais grave, conforme a minha experiência, é a persistência, na memória afectiva, de um sentimento de profunda angústia existencial, que torna a vivência comum muito difícil.
Tive um caso grave de suicídio iminente, que só foi controlado com tratamento psiquiátrico especializado, durante quase um ano:
Uma jovem de 17 anos, que se fez abortar de uma gravidez resultante de uma relação incestuosa consentida, ficou totalmente inibida de ter vida sexual.
O aborto de toxico-dependentes torna a recuperação da dependência muito mais difícil, parecendo que a jovem quer castigar-se pelo que fez.
Mas o mais grave é que persiste a memória da decisão e do acto, muitas vezes com representação durante o sonho ou com alucinações.
Uma das jovens, que obviamente não “viu” o acto de aborto feito sob anestesia, descrevia com profundo sofrimento a morte do seu filho, com os pormenores que lhe apareciam nos sonhos.
A sua angústia era tão profunda, que necessitou de tratamento psicológico durante quatro anos.
Na minha experiência, nenhuma mulher se recupera completamente dum acto de aborto.
Há uma ferida biológica que muito dificilmente cicatriza.
Catolicismo — Fala-se muito que a legalização tem como finalidade combater os abortos clandestinos.
No seu entender, essa é uma razão real?
Doutor Daniel Serrão — É uma falsa e hipócrita razão.
É evidente que, se todos os abortos passarem a ser feitos gratuitamente, à vontade da mulher, sem qualquer condicionalismo, deverão acabar os abortos clandestinos nos hospitais públicos, porque seriam absurdos.
Mas não é isto que acontece.
Em Portugal não há números fidedignos, mas os abortistas lamentam o número baixo de abortos hospitalares; e insinuam, eles próprios, que os clandestinos continuam.
É claro que continuam, porque muitas mulheres que decidem fazer-se abortar, por este ou aquele motivo, desejam que esse acto lhes seja praticado de forma clandestina, e não numa enfermaria dum hospital, onde toda a gente vai saber que ela está internada para fazer aborto.
Catolicismo — Na Esparta pagã, e noutras culturas afastadas do Direito Natural, praticava-se o infanticídio no caso de crianças nascidas com defeitos físicos.
No caso de prosseguir a actual ofensiva contra a vida, não é de se recear que cheguemos a esse ponto?
Doutor Daniel Serrão — Sem nenhuma dúvida.
Na Holanda o infanticídio é já praticado como uma extensão, tolerada pelos tribunais, da lei actual da eutanásia.
De acordo com esta lei, a eutanásia deixou de ser um homicídio despenalizado, e tornou-se uma decisão dos médicos como qualquer outra.
O infanticídio, por assimilação da lei, deixou de ser um crime, e passou a ser, igualmente, uma decisão do médico.
Catolicismo — Muitas abortistas alegam que a mulher é dona do seu corpo, e portanto caberia a ela a escolha e o direito de abortar.
O que a ciência diz a respeito disso?
Doutor Daniel Serrão — Não é preciso a ciência, basta o senso comum.
É evidente que a mulher é “dona” do seu corpo, e deve procurar para este, sempre, o seu melhor bem. A cirurgia estética é um bom exemplo dessa espécie de propriedade sobre o corpo.
Só que o embrião em desenvolvimento, durante nove meses, é um corpo próprio, que se serve do corpo da mãe para se alimentar e desenvolver, e a partir de 500 gramas de peso já pode dispensar o corpo da mãe.
A mãe é dona do seu corpo, mas não é dona do corpo do seu filho ou filha.
Catolicismo — Que mensagem o Sr. gostaria de dar aos leitores de Catolicismo, para incentivá-los na luta contra a prática do aborto?
Doutor Daniel Serrão — A mensagem é só uma: aprender a ter respeito pelo corpo próprio e pelo corpo do outro. Respeito, antes de mais, biológico, pois todo corpo vivo apela a viver, e esse apelo tem de ser escutado e respeitado. A criança, que está a desenvolver-se, apela à mãe para viver, com a linguagem própria do equilíbrio biológico.
Depois, respeito ao nível humano, porque o feto é já da nossa família humana, mesmo que ainda não fale connosco; mas vai falar em breve, e se já falasse, pediria que não fosse morto.
Finalmente, respeito espiritual, porque o ser que se desenvolve no útero da mãe não é uma coisa, mas uma estrutura pessoal, que irá manifestar-se como pessoa espiritual, à medida que o tempo passar.
No acto de abortar, o abortador destrói uma vida biológica, mata um corpo humano pessoal e anula a expressão de um espírito.
Espírito que, para nós católicos, é a marca do Criador em nosso corpo, desde a concepção.
(Artigo publicado em 2008)
Leia o texto integral em http://nova-evangelizacao.blogspot.com/2008/09/aborto-entrevista-com-o-doutor-daniel.html
Hoje é o (triste) aniversário da aprovação da lei do aborto livre, em Portugal. Há quatro anos votei NÃO, hoje continuo a dizer: Não, não abortem, não matem os vossos filhos, sejam eles frutos do amor ou das circunstâncias; não desistam da vossa maternidade, não permitam que vos maltratem só por cumprirdes o vosso papel de mãe que protege e defende as crias; não desistais do amor que se vê nos olhos das crianças quando olham para a mãe.
Ser a favor do aborto é muito fácil, mas essa facilidade ser-vos-ia negada se a vossa mãe vos tivesse abortado; não faças aos outros o que não te fizeram a ti!
Nossa Senhora de Lourdes, neste dia a Vós consagrado Vos pedimos: acolhei com amor e bondade as almas dos pequeninos a quem foi negado o direito a viver, levai-as ao Céu, abri-lhes as portas do Paraíso para que se entretenham a brincar com o Menino Jesus e os anjinhos de Deus. Ámen.
Sem comentários:
Enviar um comentário